As oposições agradam os sacerdotes ao inibirem a imprevisibilidade e complexidade de encadeamentos conceituais. Para o sacerdote, as dicotomias e as crenças são instrumentais às alianças pelas quais ele mantém sua posição e assegura a estabilidade ou continuidade da agregação. Sem a redução do dissenso ao outro lado, ao lado que é contrário, não há consenso e, portanto, não há lado algum, não há coesão.

A análise do funcionamento das práticas sociais precisa evitar os mesmos procedimentos do objeto estudado, para que possa ter relevância para os interlocutores a quem se destina. Busca, assim, introduzir um suplemento de autonomia estranho às alianças comuns, necessário para viabilizar a formação de enunciados distintos em relação àqueles já consentidos. Estes pensamentos dissonantes seriam valorizados na medida em que proporcionam certa vantagem prática, ou desempenho suplementar, na intervenção sobre o referente. O modelo das oposições, ou ainda, da reprodução, inerente ao sacerdócio, é próprio ao campo social em geral, no qual também o pesquisador está inserido. Mas a análise desse modelo — que visa, paradoxalmente, potencializar a produção social — exige o ambiente ou habitat de exceção — campo autônomo — capaz de produzir uma compensação distinta da prática gregária.

A descrição acima estaria incorreta. O modelo sacerdotal está no interior do ambiente da pesquisa e das instituições. Por outro lado, as descodificações ocorrem em toda parte e impõem aos campos autônomos reconfigurações forçadas. Cada elemento do corpo coletivo se desprende e flutua no interior da massa que constituem. Eles se reúnem aos milhares em torno da festa capitalista, do desejo carnal, dos encontros sexuais. Não precisam de pretexto que dissimule a vontade de poder e prazer. O som eletrônico house não faz sentido. Apenas funciona para motivar o movimento. Esporadicamente emite o único refrão simples “put your fucking hands up…”. O sacerdote nunca foi tão inútil. Ele reconhece a ameaça e não apenas constrói com seu poder estatutário as oposições, mas também a si mesmo como o seu contrário. Enquanto negação, é sempre definido pela afirmação que recusa. Ele é o negativo de uma revolução.

Também esta posição, tanto quanto a outra, não seria verdadeira. De todo modo, delas apenas se espera uma funcionalidade. A utilidade da pesquisa é proporcional à gravidade de sua traição e da dissolução que dela decorre.