sem título III

A apresentação de Juan demonstrou uma produção prévia e cuidadosa para o material visual projetado, o planejamento adequado da comunicação e habilidade de execução, entonação de voz clara, duração dentro do tempo estipulado pelo encontro. Trajava roupas formais, barba e cabelos bem aparados. Em seu vocabulário, palavras relacionadas a dinheiro, investimento, inovação ou modernização foram usadas. No conteúdo, procurou expor as vantagens objetivas que seriam obtidas com sua proposta em um contexto econômico amplo. A posição de Juan parecia explicitamente “interessada” e direcionada para um parceiro também pessoalmente interessado. Juan poderia facilmente ser comparado a um executivo do setor privado apresentando um produto a investidores ou clientes. Rosa  e Maria utilizaram projeções elaboradas com menos recursos técnicos. Extrapolaram o tempo e precisaram acelerar a exposição nos minutos finais, provavelmente omitindo algumas partes. Suas falas pareciam guiadas por tópicos abertos, embora previamente definidos, que resultavam na exposição informal do conteúdo. Com descrições prolixas, enfatizavam qualidades intelectuais ou os atributos humanitários das propostas. Trataram de ressaltar as ações sociais realizadas por suas instituições, ou os problemas com os quais trabalhavam, e não faziam referência a resultados concretos pretendidos ou à eficácia do projeto. Sem mencionar a relação entre os recursos financeiros e os trabalhos sociais, as instituições foram retratadas como órgãos beneficentes e isentos de interesses pessoais.

Entre as considerações que poderiam ser sugeridas a partir destas comparações, a mais tentadora talvez seja relacionar as diferenças ao campo de trabalho dos expositores: Rosa e Maria atuam em projetos educativos; Juan realiza empreendimentos culturais variados. Enquanto portadores destes procedimentos diferenciados, a análise de seus casos particulares poderia revelar algo sobre as técnicas assimiladas. Por exemplo, a preparação antecipada e a objetividade da apresentação de Juan indicam seu empenho especial em obter a aprovação do referente em questão – neste caso, a construção de um centro cultural. Isto supõe que projeta o destinatário – os ouvintes presentes no colóquio – como aquele que pode conceder ou recusar seu assentimento e o próprio centro cultural apreendido como algo que precisa ser corretamente identificado e expresso no enunciado – ou seja, na comunicação. Do mesmo modo, Juan parece presumir sua competência basicamente condicionada ao fato de o enunciado proposto ser ou não considerado discutível. Quanto a Rosa e Maria, a despreocupação em relação à clareza de suas apresentações insinua que, para elas, o resultado do trabalho não seria determinado pela análise crítica, por parte dos destinatários. Parecem julgar os interlocutores como possuindo certa benevolência, os quais, de antemão, iriam conceder sua aprovação ao objeto tratado. A validade dos enunciados e os atributos das palestrantes estariam vinculados simplesmente ao valor intrínseco do que era relatado e a estruturação da comunicação não se mostrava fundamental. Entretanto, a ênfase altruísta no discurso de Rosa e Maria a respeito das instituições a que representam pode revelar o que motivava suas condutas. O valor implicado neste processo teria sido estabelecido previamente na condição substantiva do “ser” – produzida no sistema simbólico de representações no âmbito ideal ou das ideias –, e não pelas possibilidades concretas para o espaço físico dos interlocutores.

A posição idealista aparece geralmente ligada a uma noção de transcendência do espírito, neutralidade, ou desprendimento em relação aos interesses “temporais”. Talvez, mais revelador que a análise conceitual, seria situar as duas formas de atuação descritas no contexto dos campos em que são engendradas e empregadas. Se, por um lado, Juan aborda o interlocutor abertamente como potencial parceiro de negócios, em que ambos poderiam obter determinadas vantagens, ou seja, enquanto troca ou cooperação, por outro, a mesma perspectiva aparece de modo implícito na atuação de Rosa e Maria. Afinal, a postura altruísta subentende certa disposição em compartilhar. A diferença na formação dos dois processos estaria no modelo dos capitais envolvidos: no primeiro caso, é objetivamente identificado por meio de uma abstração – a moeda; no segundo, está difuso na percepção dos interlocutores e geralmente é internalizado no próprio corpo capitalizado simbolicamente – no caso específico, as instituições e as palestrantes.